A indústria de opioides sintéticos está de olho em países em desenvolvimento, como o Brasil. É o que afirma a médica e pesquisadora Adriane Fugh-Berman, que também atua como professora do departamento de farmacologia e fisiologia da Universidade Georgetown, de Washington.
Segundo ela, as companhias têm usado estratégias semelhantes às que levaram os Estados Unidos a enfrentarem a maior epidemia de usuários de drogas da sua história, como, por exemplo, mostrar a importância do uso de opioides nos cuidados paliativos para pacientes terminais –uma necessidade real e muitas vezes negligenciada em países em desenvolvimento.
Pesquisadora de conflitos de interesse entre a indústria de medicamentos e a classe médica, Fugh-Berman cita uma série de táticas da indústria que precederam a epidemia de opioides nos EUA e que podem ser usadas em outros países. Entre elas está reconhecer a existência de uma epidemia de dor não tratada e, assim, colocar esses medicamentos como os melhores para dor crônica, assegurando aos médicos que a triagem e o monitoramento do uso deles evitarão a dependência dos pacientes.
CONSUMO NO BRASIL
Segundo a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (International Narcotics Control Board, em inglês), o consumo de morfina e seus derivados no Brasil é muito baixo quando comparado a países tidos como modelos internacionais no cuidado paliativo, como Inglaterra e Alemanha: 3 mg per capita, contra cerca de 20 mg nesses outros lugares.
No Brasil, ao mesmo tempo que se observa o aumento do consumo de fármacos opioides, constata-se o subtratamento da dor. Isso faz com que as pessoas que precisam dessas medicações mais fortes muitas vezes demorem a ter acesso a elas, por receio de que elas induzam ao vício tanto por parte do médico quanto do paciente.
Para a anestesiologista Silvia Tahamtani, especialista em dor e em cuidados paliativos do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), falta conhecimento médico sobre o controle da dor. "São duas coisas que a gente tem que lidar: a opiofobia, o medo de prescrever opióide e o paciente ficar viciado, e a opioignorância, a pessoa que não sabe fazer uso adequado daquela medicação”.
Existem questionários que estratificam o risco de dependência sempre que um paciente tiver indicação de opiáceos. Entre as perguntas estão se ele tem familiares com algum tipo de dependência (álcool, cigarro e outras drogas) ou história de abuso de substâncias na pré-adolescência, ambas situações que predispõem o paciente ao vício.
Para a médica Angela Sousa, também anestesiologista e especialista em dor do Icesp, a falta desses cuidados na pré-administração dos opioides é o principal fator que leva à dependência. "Se o paciente tem risco de vício, precisa olhá-lo ainda mais de perto. Ele precisa saber que vamos ficar em cima e que isso é para a proteção dele".
Na mira da Justiça americana
A disseminação dos opioides tem provocado uma enxurrada de processos contra a indústria farmacêutica e a comunidade médica nos Estados Unidos. Por divulgar o OxyContin como um analgésico com baixo risco de vício, a Purdue Pharma faliu e a família Sackler, dona da empresa, teve de pagar 4,5 bilhões de dólares.
A Walgreens Boots Alliance e a Teva Pharmaceutical também foram alvos de processos. Um advogado da cidade de São Francisco disse a um juiz durante declarações de abertura do primeiro julgamento de fabricantes, distribuidores e farmácias sobre os medicamentos viciantes para a dor, que essas empresas ignoraram os riscos à saúde quando criaram novos mercados para a susbtância.
O advogado Richard Heimann acusa o setor de medicamentos prescritos como cúmplice na expansão da indústria de opioides, independentemente dos riscos à saúde pública. “A indústria farmacêutica fez falsas alegações sobre a segurança dos medicamentos para comercializá-los a pacientes que sofrem de doenças comuns e crônicas, como dor lombar e artrite, com o objetivo de criar um novo mercado”.
A corte de São Francisco entendeu que a rede de farmácias Walgreens, as farmacêuticas Teva, Allergan (da Abbvie) e a distribuidora de medicamentos Anda (de propriedade da Teva) criaram um “incômodo público” ao inundar a cidade com opiáceos prescritos e falhando em evitar que as drogas fossem desviadas para uso ilegal. As empresas negaram as acusações, dizendo que vendiam medicamentos prescritos por médicos.
O processo, aberto em 2018, inicialmente incluía reclamações contra as farmacêuticas Purdue Pharma, Johnson & Johnson (J&J) e Endo International, além dos três maiores distribuidores de medicamentos dos EUA – McKesson , Cardinal Health e AmerisourceBergen. Em acordo, a J&J concordou em pagar US$ 99 milhões para liquidar reivindicações sobre sua participação na crise de opiáceos. A rede de farmácias CVS também fechou um acordo de US$ 484 milhões para encerrar as ações.
Fonte: Folha de S. Paulo, Panorama Farmacêutico
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