Indústria farmacêutica

O sofrimento psíquico nas empresas

Escrito por José Antonio Mariano

22 OUT 2024 - 09H05

Burnout, dependência química e tentativa de suicídio são, desde o final do ano passado, consideradas doenças ocupacionais. Essa atualização se faz necessária tendo em vista a evidente mudança no perfil das enfermidades que tem habitado o ambiente de trabalho. Afinal, uma sociedade que cicla entre ansiedade e depressão (para ficar nas duas mais prevalentes) só pode entregar profissionais comprometidos psiquicamente às empresas. E mesmo que isso não venha no “pacote” de tais profissionais (eles não estão necessariamente doentes ao chegar às corporações) é muito comum que desenvolvam tais quadros, diante de rivalidades exacerbadas, estímulo à competição e avaliações de desempenho centradas na produtividade individual, associadas, muitas vezes, ao assédio moral. Isso faz com que o funcionário se veja, muitas vezes, inundado por sentimentos de frustração e fracasso. É uma espiral descendente.

Na ânsia de dar conta de tudo, inclusive do que não está no seu contrato, o funcionário entra em “queima completa”. Poucas vezes, a nosologia foi tão precisa ao nomear uma doença. Descrito pela primeira vez pelo psicólogo teuto-americano Herbert J. Freudenberger (1926-1999), em 1970, burnout (to burn out) expressa a condição de alguém que simplesmente esgotou todos os seus recursos na tentativa de continuar a operar com alguma qualidade, apresentando fortes dores de cabeça, tonturas, tremores, muita falta de ar, oscilações de humor, distúrbios do sono, dificuldade de concentração e problemas digestivos. Um levantamento recente feito pela Gattaz Health & Results, empresa especializada em saúde mental nas corporações, identificou que 18% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a condição mais grave de burnout, enquanto 21% possuem pelo menos um sintoma da doença.

Uma vez instalado, o profissional passa a adotar paliativos para continuar funcional. Pode começar se valer de substâncias que, em princípio, parecem funcionar como um catalisador, aumentando falsamente a produtividade, com uma queda de qualidade não percebida. Há também o abuso de substâncias pós-trabalho, uma forma de relaxamento que apenas leva à sedação química, piorando o quadro da estafa. Maconha, cocaína, café, sedativo e sobretudo álcool são os mais utilizados. A revista francesa “Swaps”, focada na prevenção do HIV, em sua edição n. 56, de 2009, resume bem o papel das drogas no ambiente de trabalho. Segundo ela, o uso se dá para "aliviar a carga da responsabilidade que se torna demasiadamente pesada” (p. 32) e “aceitar mais serenamente as regras do trabalho e submeter-se a elas" (p. 37). E esse menu tóxico de “soluções” pode escalar para algo mais dramático: a tentativa de suicídio.

A tentativa de suicídio é, antes de tudo, um pedido de ajuda. Se um dos fatores preditivos para tal ato é o ambiente de trabalho, os gestores - eles mesmos muito pressionados - deixar passar o sofrimento psíquico avultado do funcionário, engrossando estatísticas que apontam que quase um milhão de pessoas morrem por suicídio a cada ano no mundo. O suicídio é a terceira causa de morte na faixa etária economicamente mais produtiva, de 15 a 44 anos, e a segunda causa na faixa etária de 15 a 29 anos. O evento é responsável por 71% de todas as mortes violentas entre as mulheres e 50% entre os homens; estima-se que, para cada suicídio consumado, ocorram 20 tentativas. No trabalho, essas ocorrências não são notificadas devido aos conflitos de interesse em reconhecer a responsabilidade sobre tais casos, uma estratégia que, no registro contábil, sempre apresentará resultados sempre grafados na coluna do débito.

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