Indústria de química analítica

A importância da química analítica na regulamentação do cultivo de cannabis

Escrito por Dr. Ubiracir Fernandes Lima Filho – Conselho Federal de Química

09 SET 2025 - 09H30

A regulamentação do cultivo da planta cannabis no Brasil é tema complexo, cercado de aspectos não técnicos, onde a falta de um Marco Regulatório robusto tem limitado o país de acompanhar o crescimento já observado em outros países. Hoje, há uma proposta em discussão, que tem como ponto central, o limite de cultivo a quimiotipos específicos da planta. É possível, sim, admitir a proposta, como um começo... Entretanto, poderá limitar a pesquisa, deixar de lado tratamentos clínicos que necessitam do complexo integral de metabólitos.

Em tempo, a efetivação deste regulamento, demandará a disponibilização de regras adicionais para Certificação e Rastreabilidade de cultivares que cumprem os limites propostos, regras estas imprescindíveis aos mecanismos de fiscalização.

Neste sentido, os fundamentos da Química Analítica, se apresentam como poderosa ferramenta para suporte a Marcos Regulatórios que envolvem insumos e produtos Químicos, e claro, àqueles derivados da planta cannabis.

A planta Cannabis

A cannabis tem sido objeto de intensos debates e estudos científicos nos últimos tempos, se tornando um elemento de pesquisas médicas e diferentes segmentos industriais. No contexto da regulamentação de seu cultivo, especialmente quando destinado à produção medicinal, científica ou industrial, destaca-se um campo de conhecimento fundamental: a Química Analítica. É por meio dessa área de estudo que se determina a qualidade, a segurança e a conformidade dos produtos derivados da cannabis, com regras técnicas, protegendo consumidores, produtores e o próprio Estado.

O papel da Química Analítica no contexto do cultivo de cannabis

Como sabemos, a Química Analítica é o ramo da Química responsável pela identificação, quantificação e caracterização de substâncias presentes em uma determinada amostra. No caso do cultivo de cannabis, esse campo assume uma importância estratégica, uma vez que a planta apresenta uma complexa matriz de metabólitos, incluindo canabinóides, terpenóides, flavonóides, além de possíveis contaminantes, como pesticidas, metais pesados, microrganismos e solventes residuais.

Neste contexto, o controle de qualidade no cultivo de cannabis depende de uma análise rigorosa dos componentes da planta. Técnicas como cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), cromatografia gasosa (GC), espectrometria de massas (MS) e ensaios microbiológicos são essenciais para revelar características de cultivares, tais como:

  • Determinação dos perfis de canabinoides: Como Tetrahidrocanabinol (THC), Canabidiol (CBD), Canabinol (CBN) e outros, fundamentais para definir o potencial terapêutico e industrial da planta.
  • Monitoramento de contaminantes: A Química Analítica identifica resíduos de pesticidas, metais pesados como chumbo (Pb), mercúrio (Hg) e cádmio (Cd) e solventes, garantindo que os níveis estejam dentro dos limites estabelecidos por órgãos reguladores.
  • Análise microbiológica: Detecta a presença de fungos, bactérias e outros microrganismos prejudiciais à saúde humana.
  • Identificação de adulterações: Assegura que os produtos não sejam misturados ou falsificados, protegendo tanto os consumidores quanto a integridade da cadeia produtiva.

Padronização de produtos

A Química Analítica permite a padronização dos produtos à base de cannabis, o que é primordial para constância da qualidade, fundamental no uso medicinal, onde a dosagem precisa dos princípios ativos determina a eficácia e a segurança do tratamento. Ensaios quantitativos garantem que cada lote produzido contenha concentrações conhecidas e estáveis de metabólitos responsáveis pelas respostas clínicas, oferecendo previsibilidade terapêutica e evitando riscos de superdosagem ou subdosagem, em conformidade com regras sanitárias. Desta forma, a Química Analítica fornece os dados necessários para comprovar a conformidade dos produtos, por meio de laudos, relatórios técnicos e certificados de análise, que são exigidos durante processos de registro, exportação, importação e comercialização.

Desafios e avanços tecnológicos

A constante evolução das técnicas analíticas tem permitido maior precisão e rapidez nas pesquisas de analitos em diferentes matrizes, inclusive matrizes vegetais. O desenvolvimento de métodos de espectroscopia, técnicas de extração inovadoras e sistemas automatizados reduzem custos e tempo de resposta, favorecendo o crescimento sustentável do setor. No entanto, existem desafios, como a necessidade de harmonização regulatória entre países, a atualização constante dos métodos de análise devido à complexidade química das plantas, e, a formação de profissionais qualificados.

Neste sentido, o Conselho Federal de Química, ao lado dos 21 conselhos regionais que compõem o Sistema CFQ/CRQs, entende que para que a Química Analítica exerça seu papel contínuo de suporte à regulamentação do cultivo de cannabis, é imprescindível investir em formação técnica especializada. Universidades e centros de pesquisa devem integrar disciplinas relacionadas à análise química de plantas medicinais em seus currículos e projetos acadêmicos, promovendo a qualificação de profissionais capazes de atuar em todas as etapas da cadeia produtiva.

Integração com políticas públicas

Temos de forma clara, o entendimento que uma regulamentação eficiente de cultivo de cannabis depende também da melhor articulação possível, entre profissionais da Química Analítica e responsáveis pelas políticas públicas. Demandar do Estado recursos para a pesquisas laboratoriais, aquisição de equipamentos e atualização das normas técnicas, poderão trazer legitimidade e sustentabilidade para regras.

Conclusão

Enfim, a química analítica trata-se de um dos alicerces da regulamentação do cultivo de cannabis, fornecendo os instrumentos necessários para garantir qualidade, segurança, eficácia e conformidade legal dos produtos. Sua aplicação vai além do simples controle de qualidade, pois contribui para a credibilidade do setor, proteção dos consumidores e desenvolvimento sustentável da cadeia produtiva. Ao valorizar a química analítica, estamos não só promovendo a saúde pública, mas também incentivando práticas agrícolas responsáveis, inovadoras e alinhadas com as exigências de um mercado global cada vez mais exigente e regulado.

Dr. Ubiracir é Químico Industrial, mestre em Química de Produtos Naturais, doutor em Vigilância Sanitária e pós-doutor em Tecnologia de formulações.

Atualmente é Coordenador do Comitê de Apoio à Cadeia Produtiva de Insumos Químicos do Conselho Federal de Química (CAIQ/CFQ)

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