A sustentabilidade na cadeia produtiva farmacêutica, especialmente nos Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs), tornou-se estratégica após as fragilidades expostas pela pandemia de COVID-19. Evidenciou-se que a forte dependência de importações de insumos de alto valor agregado pode comprometer a soberania sanitária e a capacidade de atender às demandas da população.
Setores químicos, biotecnológicos e de equipamentos integram uma cadeia industrial ampla para a fabricação de medicamentos e vacinas. A ausência de um único insumo pode interromper a produção, dificultar a transferência de tecnologias e inviabilizar o desenvolvimento de novos medicamentos.
Dessa maneira, a sustentabilidade dos IFAs pode ser entendida em três dimensões: ambiental, social e econômica. No aspecto ambiental, crescem as pressões por processos mais limpos e pela adoção de metodologias inovadoras, como a química de fluxo.
A química de fluxo é uma abordagem moderna em que reagentes são continuamente bombeados por tubos ou canais, passando por reatores projetados para conduzir transformações específicas. Diferente do método em batelada, permite controle refinado de variáveis como temperatura, tempo de residência e proporção de reagentes. Isso resulta em maior eficiência, menos subprodutos e mais segurança. Os reatores variam de modelos simples a microrreatores, fotoreatores e eletroquímicos, capazes de lidar com condições complexas. Alinhada à química verde, favorece escalabilidade, redução de impactos ambientais e otimização energética.
Neste sentido, pode-se citar a síntese contínua do medicamento flibanserina, utilizado no tratamento do transtorno do desejo sexual hipoativo feminino. Essa síntese foi realizada em quatro etapas sequenciais, sem intervenção manual, utilizando reatores de fluxo contínuo e catalisadores heterogêneos. Os reagentes iniciais — tert-butil-(2-aminofenil)carbamato e 2,2-dimetoxiacetaldeído — foram dissolvidos em acetato de isopropila e bombeados para um reator de hidrogenação contendo Pd/C, operando a 100 °C e 10 bar, com tempo de residência de apenas 8 segundos. O produto intermediário passou por uma reação de ciclização em um reator tubular aquecido a 200 °C, seguida de uma etapa de desproteção com HCl em reator de teflon, e finalmente uma nova hidrogenação para obtenção do fármaco obtido. O processo permitiu um controle preciso das condições reacionais, resultando em altos rendimentos, tempos de reação reduzidos (alguns segundos a poucos minutos por etapa) e eliminação de etapas de purificação intermediária.
Essa abordagem exemplifica como a química de fluxo pode aumentar a eficiência, segurança e sustentabilidade na produção de fármacos complexos, além de permitir escalabilidade e integração com sistemas automatizados.
No âmbito regulatório, a Anvisa fortaleceu a regulação dos IFAs com as RDCs nº 359/2020, nº 361/2020 e nº 672/2022, exigindo maior transparência, rastreabilidade e qualificação de fornecedores. Tais medidas são essenciais para assegurar medicamentos seguros.
Outra etapa crítica é o estudo de degradação das IFAs. A RDC nº 964/2025 define requisitos para estudos de degradação forçada em IFAs sintéticos e semissintéticos, fundamentais para identificar produtos de degradação e avaliar sua toxicidade e impacto na eficácia terapêutica. Além disso, impurezas podem surgir de catalisadores, matérias-primas ou solventes, devendo ser avaliadas para garantir a segurança.
Desta forma, os fabricantes de IFAs precisam seguir rigorosamente as diretrizes das Boas Práticas de Fabricação, que visam garantir a qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos. A Anvisa estabelece que os fabricantes de medicamentos devem seguir os parâmetros definidos na Farmacopeia Brasileira e, quando necessário, recorrer a compêndios internacionais, como os do International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use (ICH) a fim de assegurar a conformidade dos processos com padrões reconhecidos.
Complementando essa diretriz, a RDC nº 166/2017 define os critérios para validação dos métodos analíticos, incluindo parâmetros como seletividade, precisão, exatidão, linearidade, limites de detecção e quantificação para garantir a confiabilidade dos resultados obtidos.
Neste contexto, a Química Analítica é essencial para garantir a segurança e a qualidade dos IFAs, utilizando técnicas de alta precisão e sensibilidade para identificar, quantificar e monitorar substâncias e impurezas. Métodos como cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE/HPLC), cromatografia gasosa (CG), espectrometria de massas (MS), espectroscopia no infravermelho (IV) e UV-Vis, ressonância magnética nuclear (RMN), calorimetria exploratória diferencial (DSC), termogravimetria (TGA), difração de raios X, análise elementar (CHN) e rotação óptica são amplamente aplicados para assegurar que os insumos atendam aos padrões regulatórios.
No campo econômico, o chamado “Custo Brasil” — altos tributos, logística deficiente e burocracia — ainda limita a competitividade da indústria farmoquímica nacional. A superação dessas barreiras requer investimentos em infraestrutura, incentivos fiscais e políticas de inovação tecnológica.
A sustentabilidade da cadeia também depende de logística eficiente. Falhas em transporte e armazenamento podem comprometer a qualidade dos insumos. As Boas Práticas de Distribuição, Armazenagem e Transporte contidas nas RDC nº 430/2020 buscam mitigar riscos, mas a falta de profissionais qualificados no setor ainda é um desafio.
Desta forma, os Profissionais da Química são fundamentais no desenvolvimento de embalagens que garantem a estabilidade dos IFAs ao longo dessa cadeia. Essas embalagens funcionam como barreiras contra luz, umidade e variações térmicas, protegendo o insumo desde a produção até o consumo.
Superar os desafios da sustentabilidade dos IFAs requer um conjunto articulado de ações, tais quais:
Assim, o Conselho Federal de Química (CFQ), atento às vulnerabilidades expostas na cadeia de IFAs, reafirma seu compromisso em apoiar e fortalecer a produção nacional por meio do Comitê de Apoio à Cadeia Produtiva de Insumos Químicos. Essa iniciativa reflete a preocupação da entidade em reduzir a dependência externa, promover a inovação tecnológica e assegurar que a Química, enquanto ciência estratégica, contribua para a qualidade, a segurança e a sustentabilidade dos insumos que sustentam a saúde e a soberania deste país.
Dr. Siddhartha Giese, Químico Ambiental e Licenciado em Química, Mestre em Química Orgânica, Doutor em Química Inorgânica e Pós-Doutor em Cristalografia. Atualmente, Analista Químico do Conselho Federal de Química.
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